25 de novembro de 2012

entre fadas mortas e outras coisas


" - E toda vez que uma criança diz,
  'Eu não acredito em fadas', 
em algum lugar uma fada cai morta."


-


Faz um ano e meio.


Mas no meu tempo particular, parece faz um pouco mais de cinco séculos que não posto nada por aqui. Talvez seis, vai. É tanto tempo em retiro que meus dedos criaram raízes e a ferrugem se apossou das engrenagens do meu cérebro. Mas talvez haja alguma centelha que ainda me salve de ser um caso perdido.

E neste blog empoeirado conto-lhes um episódio de minha vida, que aconteceu precisamente nesta sexta-feira. Uns parênteses compartilhados ao pé do ouvido dos poucos leitores que ainda me restam na plateia, na verdade. Podem parar de dormir: obrigada por estarem aqui, muito obrigada mesmo
Perdoem o textinho modesto. Essa meia história inventada. Aqui só tem magia montada.

E uma menina.


Ela era da geração da ansiedade, do salgadinho empacotado, e dos smartphones. Tinha só quatro anos, mas possuía uma cabecinha que se você explicasse toda a física quântica ela com certeza entenderia – afinal, já sabia mexer em celulares, nada era impossível. Mas ninguém explicou-lhe a tal física de Einstein, pelo mesmo motivo de que ela tinha quatro anos. 
Ainda bem.

Isabela entrou no meu mundo durante um encontro entre eu e meus amigos. Tinha gostado de tanta gente lhe dando atenção – quem não gostaria? - que convenceu sua mãe a ficar mais um tempo até irmos embora para casa. Porém, precisou uma hora aquietar-se ao meu lado, as mãos amuadas porque tomaram bronca por não pararem quietas. 

"Isabela não corra pela casa. Isabela deixe as meninas em paz. Isabela, não faça cócegas na Marcela porque senão ela vai embora.”


Isabela Isabela Isabela - não seja criança.

Acatando a ordem e deixando a infância de lado, logo começou a me falar dos beija-flores de seu jardim: disse toda orgulhosa que sabia preparar a água com açúcar sozinha para eles. Eu, metida, disse que na minha casa iam fadas.

- Mas fadas?! - falou estupefata. Me diverti vendo sua boca virar um ó.
- Os beija-flores não gostam delas, mas fazer o quê. Só porque bebem toda a água deles.

- E você fala com elas?

- Aham. Só pessoas muito boas entendem o que elas dizem – oh, senti o estômago pesar com a propaganda enganosa. - Se você for muito legal, você também pode entender a língua das fadas. – ok, aliviou um pouquinho.

Por um momento Isabela ficou olhando pra mim. Achei que seus olhos me devorariam.

- Fala pra elas que minha casa fica (na rua tal), no número... 181. É, 181, não esquece. Tá? No Morumbi. 

- Não me esqueço.

Como podem perceber, só não me esqueci mesmo do bendito número 181. Isso porque era o meu número da sorte + 1, o qual não sei se tem algo a ver com esta história. Não tem. Me preocupo. Fadas têm bom senso de direção?

- E fala pra ela me trazer uma Barbie.

Tudo bem né, uma Barbie. As variações fadísticas que eu criei também podem ser Papai Noel. Na hora de ir embora Isabela perguntou se eu partiria com ela. Falei que sim e lá foi a menina me seguindo no carro. "Elas gostam de verde", mas por que verde?, "porque ficam nas plantas, nos bosques e tal... antes ficavam só nas flores, então você pode achar fadas rosas também." Pronto, toda ela brilhou, literalmente. A sandália da Isa era de luzinhas. "Quando forem na sua casa mostre essa sandália ai que você está usando, elas vão gostar..."

Fui acusada de iludir a menina. E ao mesmo tempo os acusadores também se deliciavam com o que ouviam. Tinham suas próprias fadas-do-dente, fadas mordentes, disneyficadas. Todas soterradas pela razão, mas sempre ficando uma asa resistente ou um pé para fora. Há quem pegue mais pesado e siga o exemplo das Fadas de Cottingley, porém estes são os que mais se divertem. Mas não, esse acontecimento não tem nenhuma moral-da-historia. Na verdade a minha intenção era só salvar uma pobre fada de morrer nesse perigoso mundo tecnológico. Ou uma criança do ceticismo, onde nos obrigam a matar nossos sonhos cada vez mais cedo. Ou só sou babaca mesmo e deveria estar dormindo porque amanhã tem Fuvest.

(Espero que as luzinhas da sandália de Isabela deem pra enxergar de longe.



15 de abril de 2011

(pequena) doação emergencial do Universo.



- Essas minhas dúvidas dedico à flor de cerejeira Tiss, que deu o sabor da idéia, do ônibus e da menina. Feliz aniversário adiantado, minha querida. –


Sentido, caros dicionários, que busquei, busco e buscarei até o resto de minha

  (mutação, sentimento, equilíbrio, medo, seleção natural, artificial...) 

                                                                                                 e x i s t ê n c i a



(mas ainda não decidi se depois da "existência" insiro um ponto final ou uma interrogação)


Há sempre uma certa tensão quando você sobe os degraus sujos e íngremes de um ônibus depois de ter deixado suas malas (e agora sua segurança) com um completo desconhecido. “Bem vinda ao coletivo Início da Vida”, atalhou ele, exibindo os caninos amarelados e os olhos fundos. “Ou da Morte, que seja.” Talvez fosse minha constante confusão de realidade depois de um filme, talvez fosse simplesmente o calor, mas o fato era que o sol parecia estar não em cima de minha cabeça, mas abaixo dela, explodindo em magma e hélio.



Não ignore este fato. Eu mesma tento usá-lo a favor da minha lucidez.

Número 42, informara o cobrador. Passei os olhos pelo corredor. Número 42, estava bordado em uma poltrona azul com estampa de andorinhas. Certo. Mas alguém se apossara do Número 42, e este alguém não era eu. Estanquei, as mãos abanando no ar. O que falar dele - ou melhor, dela? A Número 42 tinha uma concha enorme pendurada em um barbante encardido. Se confundia com a cabeleira negra que escorria pelo rosto oriental, roçando de leve na nuca tatuada pela fórmula do Cloreto de Sódio. Uma criaturinha saída de algum desenho de Edward Gorey, ou algo mais moderno: essa era a Número 42, e ela sabe absolutamente tudo sobre você.

- Desculpe, mas este é o meu lugar. - falei finalmente, levantando uma sobrancelha.

Alguns segundos se passaram sem que nossos olhares deixassem de se alfinetar. Prevendo a vitória iminente da minha oponente, levantei um lenço branco em sinal de paz e sentei-me ao seu lado. Parecia ansiosa. Puxava o chiclete sem cor e colocava-o mais uma vez dentro dos lábios. E de novo. Masca. Puxa. Clac, catraca. E de novo. Masca. Puxa. Atchim, assoa. E de novo. Ping, suor. Masca e...

- Qual motivo da viagem? - perguntei, tentando quebrar aquela atmosfera antipática.

- Estou aqui para encontrar o sentido da vida.

- Mas a vida é uma piada! - exclamou um senhor por cima do jornal cuja data fora corroída pelas traças.

- Uma piada do amor, então. Porque a vida só tem sentido graças ao amor. - suspirou a mulher de bobes logo atrás, a aparência transpirando solteirice.

"O sentido é o mar", revirou a voz obsessiva da Número 42 antes que o ônibus se movimentasse, jogando seus passageiros contra os bancos. Ela simplesmente pegou uma garrafa de Coca-Cola, bebeu metade do conteúdo e então começou a descolar o adesivo da embalagem com a unha.

- E você, aonde vai?

- Para a casa da minha tia.

- Ela mora no Inicio do Universo?

- Em cima de uma loja de gibis usados, ao leste da minha cidade.

- Não deve lucrar muito. Vai passar alguns dias lá? 

- Não sei mais. – meus olhos deitaram para fora da janela, estranhando a densa neblina que não fazia parte das construções baixas da minha cidade. – Acho que peguei o ônibus errado.

- Talvez eu possa lhe dizer se enganou ou não. Já achou o sentido da sua vida?

- Se nem os filósofos se resolveram... – respondi, desconfortável com a sua insistência.

- Você deve ser daqueles que acham que a vida não tem um sentido. Mas se você diz que a vida não tem sentido, você já está aplicando um sentido a ela. - replicou, apoiando-se na garrafa grudenta e em frangalhos. –  Esse pensamento errado é dos tempos modernos e dos céticos. Mas, na minha opinião, são eles que sempre quebram a cara. Esqueça-os. Você acabou de deixá-los para trás já que pegou o ônibus errado. Esse aqui é para quem já sabe o sentido da vida.

- É uma pena, pois junto com os tempos modernos ficou o meu melhor par de casacos. 

Respirei fundo e tentei pensar que, ao menos, iria para um lugar diferente e talvez teria novidades para contar. (No fim, nada poderia piorar, poderia? Por favor, Leis de Murphy, Coyote e filmes de terror, não me façam pensar o contrário) Os passageiros sonolentos pareciam ter acabado de sair do purgatório. Era um dia nauseante (ou seria noite? a opacidade dessas janelas me confunde), os espaços entre os bancos exigiam certa flexibilidade. Suspirei, sabendo que aquele era o preço real por uma passagem mais econômica e pela minha estúpida confusão. 


Mas ignorava que estava pagando também o preço de uma epifania.

(Meus pensamentos passaram a navegar sobre todos os sentidos da vida que já esbarrei pelo caminho, sem realmente analisá-los.) Acompanhei, paciente, a curvatura do meu lar se alongar enquanto o ônibus abandonava a atmosfera (O propósito da vida não é encontrar a si mesmo, mas criar a si mesmo) o espaço sideral evocava um som agudo e baixo que, até onde eu sabia, os seres vivos não poderiam detectar (a música) ecos do Big Bang (o nascer, desenvolver, reproduzir, morrer) meu coração pulou quando desviamos do Hubble no último segundo (é uma energia) a lua esburacada de Quixote (peça de teatro) virando à esquerda do terceiro anel de Saturno, ah, como eu queria que coubesse em meu dedo (um sopro) os braços luminosos tentando abraçar o Universo. pobre Via Láctea. ele é mais rápido e maior que você (coisa mais rara do mundo, a maioria apenas existe) quem aí tem uma câmera? preciso fotografar a maternidade da nebulosa de Águia (questionar) ainda me lembro de Cassiopeia, com sua vaidade ferida, me observando de cabeça para baixo (poesia) rápido, esses pulsares me dão medo! (aproveitar o quanto puder) "é só um cometa", informou 42 jogando o chiclete pela janela sob meu olhar reprovador... (portas fechadas e janelas abertas...)

E assim o tempo se deformou sob os batizados que eu e Número 42 fazíamos, a todo instante, para tudo o que não era (ainda) nomeado pela ciência. E, se vi vida, foi em cada rastro de mistério que o ônibus não podia se dar ao deleite de captar. A vida de um modo geral ainda é um mistério, cuja solução Número 42 me informou enquanto a velocidade diminuía e não víamos nada mais além de nada, sobrando apenas o nada mesmo, nadinha de tudo.

"Fim do Universo", anunciou o cobrador. Por onde ele passava gotículas flutuavam e tocavam a face de quem o seguia. Sempre chorava. As almas que tremeluziam sob minha visão começaram a se levantar, carregando consigo apenas suas histórias e se jogando ao infinito além da porta. Número 42 era a última. Parou na soleira enferrujada do ônibus, encarando-me com uma expressão indecifrável. Os seus cabelos se confundiam com a escuridão como se dançassem embaixo da água.
 Eu não poderia acompanhá-la para onde o destino era uma incógnita, assim como fez os navegadores de antigamente. Ao menos não agora. Talvez a minha tia ainda me esperasse com aquele sorriso de converter até mesmo o mais resistente dos corações. E eu precisava me agarrar a isso.

Você sabia, Número 42, que seus olhos são da cor de uma galáxia solitária e revoltos como o mar ao anoitecer? Faz todo sentido sua obsessão. Você é um oceano de Via Láctea encarnado em uma pessoa. E o oceano preenche você, como a vida.

As portas foram se fechando, minha mão escorregando pelo corrimão. Entre meus dedos, a concha - o mar. No meu coração, tudo - o céu. Então ela me disse, antes do último fio de luz se esvair por completo no silêncio: 

"Se você não tivesse errado, não estaria aqui. 
a evolução, os versos ao acaso, o amadurecer... 
Nós somos frutos do erro
e é do erro que a vida veio e prosseguirá."

E se foi, deixando o sabor salgado como NaCl.

19 de janeiro de 2011

Smokers Outside The Hospital Doors (End)




(Contei sobre o começo e a metade da história virou o fim. Poetizo agora sobre o meio, aquele que nunca esqueci.)

No domingo em que o pagamento da aposta estava sendo preparado
- Canções, Sally, Chaves, Muker, Perséfone, Órion e Gim -
O piano finalmente deslumbrou a superfície e foi observado.
Quem passava pelo bar questionava sobre a origem
Daquele amadeirado e modificado escravo da Música:
“Do amor, da história e da paciência”, diria o ansioso homem.
Mas Perséfone ali estava, então a língua permaneceu muda.

Venham! Venham! Tristes Almas!, dizia o olhar em fogo do gato,
Que este imponente Piano dará adeus a um ciclo e iniciará outro.
Pois nele há suor, fotografias, gracejos, insônia e um trato,
Pedras, madeira, poeira, armadilhas e algo melhor que ouro.
As teclas refletem cores do arco-íris e absorvem as do outono:
Isso é porque temos uma droga ainda mais potente
Que vocês, fumantes, não encontrarão ao longo de outro ano.

(Deslumbrante) Corações e mentes que se aproximavam sussurravam,
(Petulante) Estava a deusa azul das profundezas e superfícies incontáveis
Para ele era só ela, que não se definia com milhões de adjetivos invejáveis.
Ela, que senta entristecida defronte ao confidente piano, no banco.
Ele, que disca o número da velha amiga vestida de branco.
Ela, Ele, Eles, Elas.
Oh, pobres criaturas que convivem com as trevas!

(Alô, aqui é Sally)
Ecoou a voz de dentro do velho celular.
(Muker, essa é lá hora de me ligar?)

Psst. Antes da explosão haverá sempre o silêncio.

Então o mundo parou para ouvir: o ritmo desesperado da jovem continuava ali.
Escócia, África, Brasil - para outras nacionalidades os espíritos foram seguir
Sobre as teclas de pedra e de porcelana os dedos pálidos (alucinados) dançavam,
Dos úmidos e queimados cigarros os lábios nus (humildemente) descolavam.
A doce melodia – esperançosas notas alegres de um famoso filme francês - se erguia,
Para abrir janelas da floricultura, portas da farmácia, do necrotério, das vidas vadias.
E o novíssimo Hospital, inabalável e frio ali onde permanecia, observava
A faixa de pedestres virar a ponte de cada ser sombrio que ainda amava.

De onde vem esta melodia?, se perguntava a multidão amontoada.
Eu já a ouvi certa vez em um filme, ou foi em um livro?, quando ansiava, me condenava?
Casamento, aniversário, quando quebrei um vidro? (Não espalhe, acho que foi na aula sobre hino.)

Testemunhei, fascinado, nós, todos sem pôr nem tirar
Unidos pela música de um piano a tocar sem cessar
 Sobrevivente das fúrias, das intempéries, das guerras,
Que sofrera todos os tipos de modificações férreas
Como um ser vivo, como um ser humano,
Que levava canções para onde houvesse almas, O Piano
 Que pertencia a nós, fumantes de nicotina,
Ou de doces, conhecimentos, do amargo abandono,
Ou fumantes de angústias, cotidianos, amores, lembranças,
E outros vícios (i)lícitos, solícitos, achando alívio.
(Fumantes, ainda que um tanto crianças)

Perséfone sorrira naquele momento e nos outros tardios
Mais que em toda a sua cigana caminhada.
Em um apartamento defronte a loja de pássaros sem pios,
Sally, o ouvido encostado ao telefone, copiosamente chorava.
Misturou todos os sentimentos perdidos e reencontrados
A uma lágrima vazada de uma rica eslava,
Do escritor bem sucedido, do taxista sem semelhante destino,
De um travesti só sorrisos, da bailarina sem sapatilhas, do triste menino,
Veja aquela camponesa com um bebê no ventre e outros seis no ninho!

E quando as pessoas grudavam à vitrine e sentavam na calçada,
Algo de impressionante aconteceu: 
Sob vários olhares uma frágil senhora vinha, tossindo, calada,
E pôs em cima da tampa do piano um frasco de perfume vazio.
Antes de sair pela rua até o hospital onde em um banco esperava,
Disse-me, tentando um sorriso: 
“É tudo o que tenho, além de uma enteada.
É um pagamento: Estou curada!”.

(Poetas mortos que já tentaram explicar todos os sentimentos do mundo,
Já pararam para pensar nos poderes que algo que os desencadeia possui?)

Depois o desenrolar dos fatos foi se dando sozinho.
Uma fotografia achou seu lugar ao lado do pagamento anterior, vizinho.
O som morreu, se acentuou, o piano, Perséfone!,  
Explodiram em cores, brasas, passos no telefone!
Ressuscitando mortos e vivos, que tal Champanhe? 
Uma pena, uma bola de meias, uma camisa do clube favorito.
Terços, flores, tigelas, um cobertor, um periquito.
Veja, há coro ali, alguém descobriu que sabe a letra e a entoá-la,
Veja, quase aquele franzino paralítico dança pela (e com) a sala!
Danúbio azul, Yann Tiersen, Pink Floyd, Jazz, um quê de boate.
Combinações (im)possíveis que um dia Sally imaginou ou gostasse,
Pois na música, como dentro da gente, você voa sem limite, voou, voaste...

E assim seguiu a Noite e a Lua dando voltas curiosas
Como os pacientes que espiavam pela janela
E os moradores que lançavam olhadelas.
E, aquela rua que jamais vira a Esperança de perto, 
Não silenciou com os protestos da Direção do Hospital sem afeto.
O bar já não era mais bar, mas um flamejante altar
Onde se devotavam todos, de alma e de corpo,
À cura que a música conseguia alcançar.

Uma hora o tempo estourou, a festa o acompanhou.
O piano sorria o sorriso torto, cheio de presentes.
Era tarde para escapar da aterrorizante afirmação:
Não há mais aposta, então.
Perséfone levará o calor para o exterior,
Para as criaturas das trevas continuarem nas cinzas,
E as vivas voltarem a mostrar um pouco de cor.


E sua coleção de pedras?, tentou Muker,
Estão em um lugar melhor agora, além do mais,
Pensei em começar a outras coisas colecionar.
Quis saber: Quais?
Preciso da sua ajuda para começar.
Claro. Quis saber: Quais?

Sor-ri-sos, o que poderia ter de mais?

Algo fácil de obter, mas de dar, ah, era outra história.
Percebendo a derrota, a garota azul abraçou uma única vitória.
Lábios vermelhos se aproximaram dos rachados.
Um momento de fusão que os químicos se sentiriam invejosos, derrotados.
Muralhas derrubadas, defesas desarmadas, prisioneiros libertos.

Libertos. Libertos. Libertos.
“As terceiras chaves”, sussurrou satisfeita uma Sally vendo
O dia do outro lado do continente mostrar o rosto,
“Abrem tanto corações duros como preenche os ocos.”

Nunca soube ao certo se Perséfone ainda vive, 
Ou se foi ilusão de quem das Esperanças persiste.
Se ela voltou aos braços dos pais, ou aos braços do rapaz
Isso quem sabe são eles e ninguém mais.
(O fato é que uma coleção de sorrisos nunca acaba,
E tem que buscar muitos de Muker que nunca se farta)

Órion ainda ilumina as pessoas com seus faróis, tal qual duas estrelas em transe.
Uma constelação de palavras miadas e um pouco de atenção que o amanse.

Sally envelhece, como mulher iludida que sempre foi,
Mas com a nova certeza de que ao menos uma coisa
A absolveu de seus pecados, Dieu, protége moi.

E Muker, por sua vez, tomou o lugar que foi de sua Rainha
Pertencente ao Reino Nenhum e ao Coração. (Tão seu, tão minha.)
Dança com O Piano todos os dias, olhando para a porta,
Por onde passam curiosos com suas tralhas
Mas pela chegada dela a sineta dificilmente toca.

Algo mudara onde todos aqueles fumantes ficavam à tarde:
Um Piano que vivera de tudo, ainda que um tanto mudo,
Cura as dores e vícios d’alma, o Hospital cura as da carne.
(Companheiros que entre si nada arde)
Antes, ali se lucrava com a dor nua,
Agora (e sempre), a música sorri para quem passa na rua. 
Leva à Lua - não tão mais escura.

16 de janeiro de 2011

"Este Blog me Faz Refletir!"

Desculpem a falta de criatividade para o título, mas estou tão surpresa que não consegui pensar em nada decente. Ganhei um selo (isso mesmo gente, da flordelaranjeira da Brenda Quintino!), o meu primeiro, aliás, o que o torna ainda mais cheio de gostinho de orgulho com mel, certo? 

Então, não é uma belezinha? Que venham os lenços!


Bem, vamos às regras do espetáculo:
1.Falar dez coisas sobre mim; 2. Indicar dez blogs ao selo; 
3.Avisar os blogs que receberam o selo.


1. Dez coisas sobre esta pobre criatura 
que lê a si mesma para a Platéia sem escrúpulos:

1. Títulos me dão dores de cabeça. 2. Gosto mais do Passado que do Futuro. 3. Odeio estudar. (Podem rir, Membros do Júri, nunca fui à favor da grosseria com as Idéias, de forçá-las a entrar no Cérebro) 4. Desenho. De.se.nho. D.e.s.e.n.h.o. Dezzzzzenho. Dez tenho. De cenho. Palavra que dá água nos olhos, luz à imaginação e utilidade aos meus dedos. 5. Tenho invejas literárias. 6. Segredos: tão bem guardo que logo esqueço. 7. Aos cinco, poetiza. Aos quinze, o que sobrou dela. 8. Demoro a me apegar às pessoas, mas, ainda bem, elas não enfrentam tal problema. E quando me apego, Deus os acuda! 9. Acho que todos fingem algo que não são, mas fingem tão bem que logo são o personagem do fingimento - isso mesmo, Fernandão (o Pessoa), então no fim todos são verdadeiros! Eis a única certeza que tenho na Vida, porque a Morte ainda dá para enganar. 10. Ando numas perseguições com Ville Valo. Informação deveras polêmica, eu sei. O Finlandêzinho parece aquele trava-língua difícil e que fica na cabeça, sabe?


2. E vamos, para não enfadar os convidados, 
à Cerimônia de Coroação dos novos ocupantes do trono:


1.Subestima. 2.Há Uma Estrela no Céu.
3.Epifania Mental. 4.Across the Universe.
5.Remember. 6.Gymnocapitu.
7.An Empty Life's Diaries.  8.Galaxy of Emptiness.
9.Liqueur, mon-cheri. 10.Cookies.
11.(E um extra, porque todo CD muito bom tem extras:)
La Reine des Rêves.

3.E quanto a parte de avisar às Rainhas... Bem, bem. Esta vai ficar para depois que agora estou com Morfeus me abraçando. Rapazinho engraçado, ele. Tem estrelas nos olhos e é a cara do Robert Smith. Depois mando corujas, pombas, unicórnios, ou qualquer coisa que o valha.

16 de dezembro de 2010

(Aberratio Ictus)


(Olá, você está ligando para o Ódio. Se eu não atender
é porque estou no momento ocupado ou então
não me darei ao trabalho de levantar da cama. Favor, depois do...)


- Olá, camarada, cá estou eu mais uma vez, o Amor. Espero que não a última (isso já não depende de mim, bem sabe). Vejo que os boatos, bichos maldosos e imprudentes, já se espalharam, então não vou me demorar muito. Nem pretendo, na verdade, pois no momento estou enfiado em uma menina que ainda não sabe articular bem palavras com mais de seis letras.

A finalidade de minha ligação é para lhe avisar que estou acabado. No fim da linha, perdido, arruinado, use a expressão que lhe agradar e que mais tiver ares de drama. Covardia não é, pode ter certeza. O fato é que não aguento mais ouvir as pessoas proclamarem que amam tudo ou nada. É bem sabido que meios termos estão abolidos de seus dicionários, pois a superficialidade é a nova moda. 

Para começar, já achei um absurdo tentarem me enfiar do dicionário, mas vá lá: talvez para os outros significasse alguma coisa me atribuir significado. Isso não bastou. De tanto me procurarem, perseguirem-me para ajustar contas, confundir-me com a palpitante Paixão, enfim, de tanto me encaixarem em parâmetros aqui e literaturas baratas acolá, creio que perdi a importância (ou então a tenho em excesso, pois tem horas que sufoca). São esses motivos, afinal, da minha partida destas cidades ocidentais onde tudo se sente com a profundidade de uma poça de lama. Vamos, mexa-se, procure no respirar dos mortos, no ofuscar dos ricos, no frêmito dos lábios desejosos, na letargia dos telespectadores, nos cubos de gelos dos bares fétidos: não estou lá. Mas as pessoas (um bando de casmurros, isso sim) insistem em me procurar nestes mesmos locais.


Não farei a pergunta familiar dos pais decepcionados com a prole ("Onde foi que errei?") porque ela não vem ao caso e nem nunca virá. O fato - e aqui o apresento - é que a culpa é dos humanos e não da minha complexa contradição. Culpa das pessoas, veja bem, e nada mais.


Isso porque estão esperando tanto d'um pobre coitado como eu, que acabei virando algo inacessível, distante, idealizado (ah, esta é boa, enfiar umas regras de como saber me identificar, quanta polidez). Ou então, me tratam como um bibelô: "a facilidadade de aderir é a mesma de se livrar". E, como se já não bastassem tantos desaforos, andam falando de uma tal auto-suficiência: palavra floreada, invenção de psicólogo querendo afirmação. Pronúncia de encher a boca, mas que de enchimento n'alma não tem nada. 


Rio dessas bobagens - e com gosto - já que rir da cara da desgraça é o melhor remédio, é o que dizem os entendidos na medicina da Vida. 

Há alguns lugares em que posso me hospedar. A maioria tem ferrugem de Remorso ou goteiras da Ambição (e outros poréns que pouparei de gastar minha voz e seu tempo enumerando), mas enquanto houver conserto me revelarei faxineiro de primeira linha. Basta que o Coração - pensão de surpresas - não me cobrar mais do que posso oferecer.

Bem, era isso, camarada. Deixarei você tomar conta da situação, apesar de que sei que o Vazio irá te arrancar aos pontapés depois de um tempo. Natural. Ele é bem glutão, ninguém o nega necessidade, e faz os outros cometerem loucuras de deixar os cabelos brancos. Mande lembranças aos Sentimentos: andam mais ocupados do que o desempregado aqui. Não os culpo. E quanto aos humanos: eu os amo. Não duvido de que serão capazes de voltar a me amar (nem todos, porque não sou tonto) depois deste tempo de ausência da minha parte. 


Afinal, todo mundo é meio perdido, alguns mais, outros menos, pois a Imperfeição existe e é criança malcriada. Nessa trapalheira toda se erra o alvo do tiro e espero que logo desistam de tentar acertá-lo (me). Sabe bem como é: o Amor não gosta de guardas nem ilusões na recepção.


Até mais, camarada Ódio. Você terá muito trabalho pela frente.